2010/02/26

BMW R1200 RT versão 2010 vs 2009

Por: Jorge Lami Leal

(foto 1 - versão 2010; foto 2 - versão 2009)

Considerações iniciais

No meio do ano passado, sem estar a pensar verdadeiramente comprar outra moto, fiz um test-ride à BMW R1200 RT e à BMW R1200 GS Adventure e fiquei apaixonado por estas duas motos, mas sobretudo pelo motor boxer. A minha outra BMW, uma tetracilindrica, tem um motor linear e não sendo necessariamente melhor ou pior, tem um comportamento, estilo de condução e sensações recebidas na condução muito diferentes. Diria que o boxer é o mais agradável que já conduzi, feito para quem não exige uma moto extremamente rápida, ou que disponibilize a potência do início ao fim do “punho”. É um comportamento à parte… é no fundo uma forma de estar na estrada diferente!

O motor boxer (bicilindrico) confere às motos algo diferente e apesar de já ter conduzido boxer’s 1100 e 1150, nunca o tinha feito por muitos quilómetros. O gozo foi tanto que senti-me com 8 anos a entrar numa loja de brinquedos, tal foi a vontade de ter aquela linda RT preta, acabada de sair! Mesmo com ténues rumores sobre a provável renovação do modelo há algum tempo que aquela moto me interessava, mas as cores disponíveis em nada me motivavam. Já com a moto encomendada, começou a falar-se que a BMW ia apresentar um novo bloco de 1250 cc ou 1300 cc. Algum tempo depois essa realidade já era dada como certa em muitos fóruns da especialidade, especialmente estrangeiros.

Afinal, a nova RT, esse grande ícone do grande turismo da marca da hélice, referência neste segmento, manteve a cilindrada do motor, ganhando apenas algumas características técnicas, um design aqui e ali diferenciador e novas cores. Infelizmente a preta de 2010 já não é tão preta como a de 2009!

Por cortesia da BMW Motorrad de Faro, colocaram-me nas mãos esta nova RT. Fiz estradas secundárias e nacionais, muitas curvas, pouca auto-estrada, enfim, andei com ela uns belos quilómetros.

Mas o que se pode dizer sobre esta nova máquina?

Logo que peguei nela, notei alguma (muita) dificuldade nos comandos, sobretudo no punho esquerdo. Ao contrário das BMW de grande cilindrada até agora, com comutadores de punho ergonómicos e distribuídos pelos dois, estes não estão bem desenhados, pelo menos para o tamanho dos meus dedos, que não são pequenos! Aumentá-los está fora de questão, pelo que abrir e fechar os piscas é uma aventura… aproveitaram a filosofia dos mal conseguidos comutadores da BMW K1300 GT e aplicaram-no nesta. O comutador de piscas, um em casa punho, mesmo na zona de acção do polegar, muito confortável, deu origem a um único botão com as três funções (direita, esquerda, desfazer), difícil de usar sem tirar a mão do punho. Conforme a seguinte foto mostra

                             
Ligar os quatro piscas então, para agradecer passagem, por exemplo, implica largar o punho. No modelo anterior bastava pressionar com ambos os polegares nos respectivos botões. Se por um lado gostei do botão do corte de luzes/ activar máximos, por outro falhou duas vezes, por eventual mau contacto, forçando a desligar o botão e voltar a ligar.

Achei a moto mais pequena, pode ser psicológico, mas sentado nela, dá essa ideia. Referiram-me que tal pode dever-se à diferença de cores, já que experimentei uma moto clara. Mas pequenos nadas impressionaram-me menos. O vidro frontal impede alguma visibilidade junto à roda da frente, devido a um pedaço de plástico que está na base do vidro.


A protecção aerodinâmica frontal, mercê de uma curva que permite ver melhor o trânsito, também aumenta a quantidade de vento frontal no capacete, com o respectivo aumento do ruído.

O design é mais desportivo, que não me parece adequado a este tipo de moto, aprecio a imagem mais sóbria do modelo de 2009. O lettering dos autocolantes também é mais desportivo, adequando-se ao redesenho actual.

Não gostei do que fizeram nas cabeças do motor ou à tampa das velas, agora ao alto, nem o facto de parecerem mais pequenas. Especialmente na RT 2009 preta, o contraste da cor das cabeças do motor com o preto da carenagem, assim como a sua dimensão, confere à moto um ar mais volumoso e encorpado ao modelo de 2009. Quando olho para ela, penso num mamute! Esta é mais esguia, mais felina. São estilos diferentes, ainda que muito pouco tenha mudado.


Esta moto vinha com ESA de origem. Este sistema permite modelar a rigidez das suspensões da frente e de trás, em função do tipo de condução desejada e do número de ocupantes e carga, pode ser – e é – uma feito técnico altamente diferenciador… mas continuo a não lhe achar grande utilidade. Da posição “Normal” pode-se alterar para “Sport”, onde é evidente uma capacidade para curvar superior ou o “Confort”, que melhora a utilização em estradas mais irregulares. Mas não valorizo o seu custo/ benefício (700,00€), especialmente pelo potencial de avaria e elevado custo de substituição.

Em termos de aparência, pequenas alterações saltam à vista. Os recipientes do óleo dos travões e embraiagem, por exemplo, são demasiado “trail”, não ficam tão bem numa grande turística com esta, até porque levantam a massa disponível sobre os punhos da moto alguns centímetros.

O percurso

No final do dia que a levantei fui até Tavira. Já na estrada da Campina de Faro, liguei o rádio e tentei perceber como se mudava de estação. Sem querer, a estação passou para a Rádio Renascença e começou a sair pelas colunas o “Avé Maria”… aumentei o volume do som e ainda ouvi um pouco, por graça. Mesmo não acreditando em Deus, achei curioso este acaso… antevendo uma experiência religiosa… que acabou por não ser.

Segui até Estoi, dali até Pechão e cheguei, por Olhão, à EN125… dali até Tavira apanhei de tudo, desde trânsito quase parado até estrada aberta. Sempre com o rádio ligado, apesar de considerar que os 1.250,00€ que custa não justifica o benefício. Ainda assim, tem sincronização para iPod, etc. pareceu-me funcional e muito completo. Ao passar as pequenas aldeias ao longo do trajecto, para ligar o “mute” (e assim tirar o som), tinha que largar o punho esquerdo e chegar à ponta da carenagem, um palmo recuado abaixo do punho esquerdo, para activar esta função (b – na foto em baixo). Já a roda de volume/ mudança de estação é intuitiva e muito simples (a – na foto em baixo).


No geral achei o sistema de som muito funcional. A falta de uma função automática que reduza o som à medida que a velocidade também diminui, seria fundamental. Não li o manual, pelo que desconheço se tem esta opção nos vários botões disponíveis. De resto, ouve-se música até às velocidades de cruzeiro – claro que com o volume quase do máximo. Mas ouve-se com uma qualidade muito aceitável para umas colunas exteriores num espaço aberto e em movimento!

Conforto

Em relação ao aquecimento, nada a evidenciar nos punhos aquecidos, que cumprem a função, mas não utilizei mais do que por 1 ou 2 quilómetros. Não usei também o meu banco aquecido, já que o tempo, apesar de cinzento, estava muito agradável.

O cruise control parece igual. Apenas retiraram o LED indicador. Só não faz falta a quem nunca o teve numa moto. Depois de ter, nunca mais se quer moto sem este item de conforto e qualidade de condução. Para além de que deve melhorar os consumos de combustível. O mesmo para os punhos e os bancos aquecidos!

O motor

O que dizer deste motor? São os mesmos 110 cv, mas o som é mais estridente. Chega até a incomodar ligeiramente, com o rolar dos quilómetros. O som é diferente logo no motor e também no silenciador. Com a contribuição da menor protecção aerodinâmica, que implica receber mais deslocação de ar no capacete, o menor conforto em viagens maiores é potenciado neste modelo de 2010.

Mas alguma coisa mudou para melhor. A nova RT está mais forte em baixas (em altas também, mas isso é relativamente indiferente para mim, numa viagem), mas não sei até que ponto essa disponibilidade de cavalos a rotações mais baixas não é potenciada pelo ruído mais “potente” deste novo modelo, que pode levar a que rodemos um pouco mais o punho… mas nota-se alguma diferença e mais vivacidade. A moto está mais solta e dinâmica que o modelo de 2009. Esta é, para mim, a grande vantagem do modelo de 2010.

No que concerne aos consumos, fiquei com a ideia que gasta sensivelmente o mesmo que o modelo anterior, ou seja pouco. Esta gastou ligeiramente menos, mas não levava topcase, que pode consumir a diferença. Num percurso de 75% estrada e 25% auto-estrada, gastou em torno dos 5,5 litros/ 100 km. Nada mau, para mover este agradável “monstro”, mais os meus quilos e os da minha pendura.

Resumo

Estes pontos que apontei e considerei menos fortes neste modelo resultam apenas da comparação com o modelo de 2009. Como em tudo, habituamo-nos e adaptamo-nos, mas também devemos ser críticos. Esta ressalva é importante, porque parte da experiência e hábito com uma moto parecida, mas com diferenças. Não é uma “leitura” em branco sobre um produto desconhecido. Muito do que escrevi seria necessariamente diferente se não tivesse o modelo de 2009.

Mais, quem quiser uma grande turística de excelência, este é “o” modelo a considerar! Sem antever arrependimentos!

Quem já é proprietário de uma 1200RT, não vai provavelmente perceber vantagens na troca, antes pelo contrário. A não ser que a desvalorização ou vontade de trocar sejam mesmo muito fortes, ou goste particularmente do redesign desta, já que o desenho pode agradar a uns e não a outros.

Um muito obrigado ao Ricardo da BMW Motorrad de Faro por mais esta gentileza e pela oportunidade que me propiciou para conhecer mais uma das novas BMW! Sempre fui um crítico da actuação deste concessionário no mercado e no serviço aos clientes, mas não posso deixar de passar em branco o grande esforço que se nota a partir do segundo semestre de 2009. Este é um caminho necessário e estou certo que dará os seus frutos.

Sobre a BMW, tenho ainda a acrescentar que não conheço concessionários de outras marcas que metam motos nas mãos dos seus clientes para experimentar durante um fim-de-semana, uma semana, ou mais, quer seja para fazer 50 km, quer seja para fazer 1.000 ou mais km! Esta diferença chama-se BMW! Pode-se gostar menos ou mais da marca, mas há que reconhecer o investimento forte que esta marca faz nos seus clientes, na satisfação dos seus clientes. Faz toda a diferença!

2010/02/20

Para lá do Purgatório (2009-2-20)

Por: Jorge Lami Leal

Olho em minha volta. Ninguém. Corro o fecho do casaco, ponho o capacete e coloco a chave na ignição. Rodo-a. As luzes acendem. Ligo a moto. Na fracção de segundo a seguir, sinto um sorriso crescer na minha expressão, em acto reflexo. Olho novamente em minha volta. Ninguém. Estou sozinho com a máquina, que me transmite as vibrações do motor e me despertam mais um pouco os sentidos. Ainda é cedo.


Rodo o punho e a moto desliza na estrada… sublime. Tenho destino: Estoi. Ela encaminha-me para lá. Quem sabe o que nos move ou nos impele, será que a condução é algo calculado e racional, ou um conjunto de sublimes sinapses que, quase por instinto, nos fazem dirigir este monstro de ferro e plástico? Nem me importo muito com isso, desde que faça o caminho. Sigo em frente, passo à frente de mim próprio por momentos. Abandono a tralha que acumulei na cabeça durante a semana, as preocupações, tudo ficou para trás, onde é suposto ficar. Naquele momento, nada disso é importante ou faz diferença. Qualquer diferença. Caminhos perdidos que vou encontrando, novas formas de chegar até mim vou descobrindo. Encontro-me perdendo-me. Ou o inverso, ao contrário, reverso, de novo igual a mim mesmo. Percebo coisas que não vejo de outra forma. A falta de objectividade quotidiana, no meio do ruído das nossas vidas apaga-se, abafa-se no preciso momento em que me perco na estrada – ou que me encontro nela!



Passo um pequeno cruzamento, umas casas, uma ponte velha. Qualquer dos sentidos origina um destino. Igual ou diferente, quem sabe? E interessa? Não! Todos os caminhos nos levam ao mesmo lugar. Todas as escolhas nos levam para o futuro. Mas não até ao futuro. Uma vez lá, qualquer dos caminhos que não usarmos, não será mais do que mero passado. Não existe presente. Esse conceito estático não é mais do que estético. Precisamos dele para pensar que existimos. Que nada… vivemos apenas de passados. Sentimos! Agora não é mais do que algo que já foi … O futuro não nos muda, nunca lá chegaremos. O passado sim. Vivemos no lapso de tempo que nem é futuro, nem chegou a ser passado. Mas nunca é presente! É neste espaço no meio de nada que vivemos! O “agora” termina no preciso momento que pensamos nele… e que por isso já passou. Viver é isto, é continuar a deixar passado. É acelerar devagar ou depressa, é pensar no futuro como algo que queremos passado. É tentar chegar lá o mais próximo que formos capazes. Se um dia lá chegarmos, seremos uma memória de nós próprios. Somos por isso, e em resumo, passado.



É a este passado refrescado que chego. Estoi. Uma aldeia diferente. Uma povoação cuidada e que merece sem dúvida a visita. Neste caso foi lá que combinamos o ponto de encontro de mais esta aventura. Estacionei a moto mesmo ao lado do café Vanessa. Não deixa de ser uma nota de humor, já que habitualmente partimos da pastelaria Veneza, em Tavira, e agora calhou a Vanessa. Vamos nessa?



Como troquei as horas e despachei-me antes do que necessitava, cheguei muito mais cedo e tive oportunidade de sentir o sol espreitar lentamente sobre o casario que circunda a praça central, descobrindo-a. Com a Igreja Matriz sobranceira e o Palácio de Estoi de esguelha, ali fiquei a contemplar um pouco. Estes momentos são deliciosos.

Café Vanessa - Estoi

Igreja Matriz de Estoi





Bica (antigo bebedouro dos animais)

O grupo começou a chegar e a compor-se. Tivemos tempo para tomar o pequeno-almoço (os folhados mistos são uma especialidade) e conversar um pouco.


Este passeio levou-nos por estradas bem secundárias. De Estoi, pela Bordeira, até Loulé. Dali direitos a Boliqueime, mas sem lá chegar. Fomos até Paderne pelo Caminho Municipal 1180 e Estrada Nacional 1175. O nosso objectivo intermédio era visitar o açude do Castelo de Paderne, um dos castelos que figuram na nossa Bandeira Nacional, que tem a particularidade de ter sido construído em taipa, durante o período de ocupação almóada. É pena que o abandono a que foi votado, ao contrário de outros, tenha praticamente destruído tão importante património nacional.

As quatro motos (BMW's R1200GS; R1200RT; R1150RT; R1200GS Adv.)

O açude do Castelo de Paderne

O teste absoluto à membrana Gore-Tex ® das minhas botas


Açude (com o moinho de água ao fundo)



O que dizer sobre o açude? A corrente estava muito forte, mercê das chuvas incessantes deste Inverno. Tivemos tempo para respirar fundo, trocar umas palavras e seguir novamente viagem. Esta parte do trajecto foi feito em estrada de terra, com bastantes buracos cheios de água e muita pedra, mas nada que não se conseguisse transpor, mesmo numa moto de estrada. As duas maxi-trail do grupo deviam ir um pouco mais à vontade!





Passamos o Purgatório... e fomos ainda mais além. Este também era um objectivo deste passeio: ir além do Purgatório. Grande viagem!!

Não disse que iamos além do Purgatório?!?!

Chegamos pouco depois a São Bartolomeu de Messines e seguimos pela Estrada Nacional 264, direitos a Benaciate. Pouco depois entrávamos no Enxerim e, logo a seguir, Silves. O Castelo lá em cima – é o maior do Algarve – parece feito de fogo, devido à cor da taipa, das pedras e do revestimento aplicado aquando da sua construção (também tem origem islâmica, como quase todos os outros).

O Castelo de Silves a dominar o horizonte
Biblioteca, Igreja Matriz e Castelo de Silves

Seguirmos pelo interior, passando Odeleite e entrando na Estrada Nacional 266 até Monchique. Esta estrada não está muito boa, necessita realmente de alguma manutenção. Mas vale a pena por ser diferente e nos levar adentro deste Algarve diferente.



Pouco tempo depois chegámos ao nosso destino: um café no largo central de Monchique, para umas bifanas, sandes de presunto e estrada novamente…

Monchique

Fizemos o regresso pela fantástica estrada do Alferce até São Marcos da Serra (com piso seco e limpo então, esta estrada é do melhor!!) e dali até à Via Infante de Sagres, que nos levou até casa.







Foi uma bela volta!!

... e começam os trabalhos para a organização da próxima volta! Aceitam-se quer sugestões, quer "inscrições"!!

2010/02/17

Viagem a Ronda e Gibraltar (2010-2-13/14) e Pueblos Blancos (2010-2-15/16)

Por: Rui Viegas Gago

Dos primeiros dois dias ficam para reter as fantásticas viagens Tavira-Ronda e Ronda-Gibraltar, e a simpatia dos Macacos de Gibraltar que se mostraram extremamemente amistosos ao contrário dos relatos que havíamos ouvido.
Quem sabe se não será a má formação e conduta incorrecta das pessoas que dão a má fama a estes simpáticos bichos.
Depois de regressar a La Linea de la Concepcion, novamente em território espanhol, uns rumaram a casa por entre chuva e vento, os outros rumaram a Ronda por entre as estradas secundárias da Serra Rondeña. A noite e a chuva dificultaram um pouco a viagem mas mesmo de noite os povoados da serra têm uma beleza indescritível.
Já em Ronda o jantar foi no local recomendado por alguns que já conheciam, "Restaurante Pedro Romero". Simplesmente divinal!

Dia 3 - Visita aos Pueblos Blancos

A planificação feita para este terceiro dia ficou parcialmente comprometida devido à meteorologia. Durante o pequeno almoço deu logo para perceber que a chuva não ia dar tréguas e que não iria ser possível fazer os quilómetros que estavam pensados para visitar alguns dos "Pueblos Blancos". Ainda assim a vontade de sair, conhecer novos locais e passar por novas experiências não esmoreceu, equipá-mo-nos a rigor e saímos para a chuva.
Rumámos a "Setenil de Las Bodegas" para conhecer aquela povoação onde as casas (ou pelo menos algumas delas) são constituídas apenas pelas fachadas, tudo o resto é rocha.

Representam ainda o mais básico e pré-histórico conceito de habitar onde o meio ambiente dá origem à necessidade sem acessórios ou pormenores supérfulos. As reentrâncias dão abrigo e apenas as fachadas têm a mão humana, tudo o resto é construído pela natureza. Reentrâncias e saliências caracterizam esta povoação de "habitações trogloditas" ou "habitações sob rochas" que se desenvolve ao longo de um vale que abre passagem ao Rio Guadalporcum.
A riqueza arquitectónica deste povoado vai ainda para além das casas sob as rochas. A estas podemos juntar monumentos como "El Castillo" cuja data de construção remonta aos séculos XII -XIII, que se situa, obviamente, na parte mais elevada do povoado e que ainda conserva a torre de menagem e uma cisterna; ou como a Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Encarnação de estilo tardo gótico.
A chuva não dava tréguas e continuava a cair copiosamente, o rio aumentava o seu caudal minuto a minuto e era perfeitamente perceptível esse aumento. As ruas mais pareciam pequenos riachos que alimentavam o rio e depois da visita à vila e de um café na esplanada sob as rochas era tempo de regressar às motos e continuar o nosso trajecto.
De Setenil de Las Bodegas rumamos em direcção a Ardales e de aí às gargantas "El Chorro". O percurso até lá chegar é magnífico ladeando a Barragem do Conde de Guadalhorce. Quando nos afastamos deste, surge a estrada recortada por entre as rochas com declives acentuados e curvas e mais curvas, umas fechadas e outras muito fechadas. A chuva continuava sem parar e começamos a encontrar pedras e lama nas estradas derivadas de derrocadas e deslizamentos de terras das encostas que começavam a ser cada vez mais frequentes.
Depois de bastantes quilómetros com atenção redobrada na condução, eis que a recompensa surge no horizonte. Chegámos a "El Chorro" e o que nos chama imediatamente a atenção é o "Caminito del Rey" que aparece cravado nas paredes rochosas das gargantas. Com uma largura média inferior a um metro e uma altura ao plano de água que varia entre os 150 e os 200 metros de altura, a construção deste percurso foi inicado em 1901 e serviu para os trabalhadores das quedas de água de "El Chorro" e "Gaitanejo" transportarem os materiais para manutenção do canal e fazer vigilância ao mesmo. A sua construção terminou em 1905. Em 1921 o Rei Afonso XIII teve de atravessar a passagem para inaugurar a Barragem de Guadalhorce e vem daí o nome, "Caminito del Rey". Actualmente o percurso está fechado devido aos sucessivos acidentes mortais que tiveram lá lugar.
As gargantas "El Chorro" são um local deslumbrante. Com uma escala imensa, as paredes rochosas fazem tudo parecer minúsculo sendo que a pontuar esta maravilha natural está a ponte que liga as duas paredes e o "Caminito del Rey" que marcam a presença humana naquele cenário natural.
Era tempo para mais uma breve paragem que afinal não foi assim tão breve. Um pequeno café/restaurante isolado naquele local acabou por ser o espaço acolhedor com uma salamandra a aquecer o ambiente que procurávamos para secar as roupas que não resistiram às chuvas e para aquecer o estômago. A ementa consistiu em solomillos de ternera e nas chuletas de cordero que pelos comentários feitos, estavam deliciosos.
Após a paragem retemperadora, voltámos às motos e à chuva e marcámos o regresso a Ronda de modo a conseguir chegar lá ainda com luz do dia para visitar a cidade.
Mais uma viagem sempre sob chuva e lá chegámos a Ronda. Depois de uma paragem no hotel para mudar de indumentária, das motos arrumadas na garagem, lá seguimos a pé por Ronda para sentir um pouco mais da beleza desta cidade andaluza.

Dia 4 - Regresso a casa

O dia nem sequer começou muito cedo. A distância a percorrer não era muita, os cerca de 400 quilómetros até ao Algarve são apenas um aperitivo pelo que não havia necessidade de madrugar.
Depois de carregadas as motos e equipados a rigor largámos Ronda, não com um adeus mas com um até já, porque a beleza daquela cidade e de todos os locais da região justificam mais algum regresso. A chuva não caía naquele momento mas era claro que iria cair a qualquer momento o que se verificou logo cerca de 30 quilómetros após a saída.
O piso molhado e a chuva impediram que o regresso fosse feito pelo vale da Serra de Grazalema pelo que rumámos a casa pela estrada mais "convencional", o que não é hábito! Mais algumas derrocadas nas encostas junto à estrada "animaram" o regresso e o vento lateral forte fez com que os 60 quilómetros até chegar a Sevilha fossem um autêntico desafio para manter a moto na estrada. O vento forte e as rajadas são um dos maiores inimigos dos motociclistas, o que em conjunto com a chuva e o piso escorregadio tornaram este regresso numa verdadeira luta contra os elementos...
Na chegada ao Algarve, e porque os companheiros de viagem ainda seguiriam para Lisboa, era preciso fazer uma paragem técnica para almoçar o que fizemos no "Restaurante O Alcatruz - Tá o petisco em monte" em Santa Luzia. Restaurante tradicional onde se pode degustar entre outras iguarias, salada de ovas de choco, salada de polvo, estopeta de atum, ameijoa boa, ostras ao vapor, enguias fritas, carapauzinhos fritos e para terminar arroz de marisco e o já habitual arroz de lingueirão.
O café e as sobremesas foram, a convite dos incansáveis amigos Rogério e Lina, já em Tavira na Pastelaria Veneza, junto à Câmara Municipal, onde se puderam degustar os tradicionais "Folhados de Tavira" entre outros doces regionais. Assim terminou mais uma viagem, no mesmo local onde havia começado quatro dias antes e onde já se é mais que um hábito ser bem recebido. A Pastelaria Veneza é cada vez mais o ponto de partida e chegada oficial destes e de outros errantes.
E um obrigado muito especial ao grupo, por estes agradáveis quatro dias!! Por um Dia de S. Valentim e um Dia de Carnaval para mais tarde relembrar!