2010/03/09

Dicas para planear uma viagem de moto

Por: Jorge Lami Leal



Um dos prazeres que sinto nas viagens de moto está intrinsecamente ligado à sensação de liberdade que tenho de parar, de partir, de continuar por mais uns quilómetros – se me apetecer – ou encostar algures e pernoitar num qualquer lugar que, ao passar, fez sentir que teria de ser por ali mesmo.

Os elementos (como a chuva, o frio ou o calor) estão à nossa volta, fazem a viagem connosco e são tantas vezes companheiros por muitas centenas de quilómetros. Quem nunca experimentou “rolar” à chuva durante horas, mantendo o prazer, nunca perceberá exactamente o que é andar de moto. Existe uma frase (desconheço o autor) que refere qualquer coisa como “só um motociclista entende porque os cães gostam de viajar com a cabeça fora da janela do carro”. Não se explica… sente-se!!

Uma viagem pode correr bem ou mal, ou algures no meio disto. Muitas variáveis contribuem para tal. Algumas delas não controlamos. Podemos todavia prever a probabilidade de ocorrerem. O planeamento é pois uma ferramenta que permite não só antecipar problemas, como prepararmo-nos para eles.
Feita esta pequena introdução, gostaria de partilhar convosco algumas regras e ferramentas que utilizo, no fundo algumas dicas que podem ser úteis e que resultam das várias viagens que tenho feito, mas também de vários contributos que vou recebendo e melhorando também por essa via o meu método de organizar uma viagem.

Existem componentes a ter em conta no planeamento: (1) o tempo máximo disponível, (2) o limite de valor que pretendemos gastar e a (3) distância a percorrer (onde se inclui os países ou as localidades que queremos visitar). Estes factores contribuem para o sucesso do “projecto”. Se não vejamos:

- Partindo do princípio que os recursos financeiros não são ilimitados, o tecto definido deve permitir pagar o alojamento, as refeições, o combustível, as portagens (se tiver mesmo, mesmo que ser), etc., durante os dias que dispomos para a viagem. Menos recursos implicam menos dias, menor distância, ou uma gestão equilibrada de ambos, assim como dos gastos ao longo dos dias.


É esta elasticidade que deve ser atempadamente estudada, com uma margem de tolerância para eventualidades. Estar sempre preparado foi um conselho transmitido por um amigo, com quem fiz os primeiros quilómetros de moto e está sempre presente.

O planeamento favorece a sorte!


Por uma questão de arrumação, divido o planeamento em 3 partes:


a) Planeamento financeiro;
b) Planeamento do percurso;
c) Planeamento operacional.



a) Planeamento financeiro


Julgo que será equilibrado estabelecer que para fazer uma viagem de moto, qualquer que seja a distância a percorrer, para um casal (e a moto, claro) devemos contar com a disponibilidade financeira de pelo menos um mínimo de 150,00€/ dia. Isto dentro dos parâmetros que de seguida desenvolvo.


Um hotel com as condições mínimas (pode ser importante garantir que tem garagem privada, por questões de segurança) custa, por noite, entre os 50 e os 80,00€ (3 e mesmo 4 estrelas, se marcado com alguma antecedência, se bem que existe mais oferta, como o turismo rural e de habitação, ou mesmo os B&B, que podem ser bons compromissos qualidade/ preço e agradáveis alternativas, que permitem conhecer ainda melhor a realidade de onde andamos). Estes valores dependem de país para país, da localização (se é numa cidade mais importante, com preços mais elevados, ou mais rural, com preços, para o mesmo nível de qualidade, inferiores), difere também em função da altura do ano (especialmente no litoral, durante os meses de Verão e, no Inverno, nas regiões onde existam estâncias de neve). Até a antecedência com que se fazem as reservas tem implicações directas no preço a pagar (apesar de raramente o fazer nas minhas viagens… começo a pensar que é uma boa ideia começar a fazê-lo).

Não esquecer que podemos viajar e ficar alojados em hotéis de topo, mas para dormir e seguir viagem, considerando que a maioria das pessoas tem um orçamento a gerir, acho boa ideia canalizar o diferencial de valor de um hotel mais caro, para outras despesas. Vamos então partir do princípio que a média destes será um valor razoavelmente correcto. Chegamos assim a 65,00€/ noite, acrescendo cerca de 6,00€ a 12,00€ para o estacionamento privativo (se viajarmos com mais motos, normalmente é possível colocar duas ou mesmo três num mesmo espaço e dividir este valor pelo número de motos que ocupam o espaço.

O preço das refeições é sempre uma incógnita. Depende muito do país em que estamos, do que queremos experimentar da gastronomia local, especialmente dos vinhos que queremos provar. Essencialmente depende do que se espera de uma viagem de moto. Para mim, que gosto de comer, prefiro fazer almoços ligeiros, jantares mais calmos, mas sem grandes abusos, reservando alguns jantares melhores. Incluindo algum snack ao longo do dia, chegamos facilmente a valores mínimos de 55,00€/ dia (por casal). Se apontarmos para uma média de 500 km percorridos por dia, mais 30,00€/ dia para combustível (depende também do país, já que alguns têm uma incidência fiscal sobre os produtos petrolíferos maior ou menor, o que se reflecte no preço final a pagar pela gasolina), ultrapassamos facilmente os 150,00€ por dia.

Para além do dinheiro para a viagem, é importante que possamos dispor de um “fundo de segurança” associado a uma conta bancária diferente da habitual (com um cartão, preferencialmente de débito, diferente daquele que usamos para as despesas correntes). Neste “fundo” é importante não contar com cartões de crédito, mas com dinheiro do outro lado da linha de comunicações interbancária! Por vezes pode não ser fácil usar um cartão de crédito, especialmente em determinados países. Este dinheiro é uma espécie de seguro, no caso da qualidade dos “vinhos” que bebermos ao jantar, depois de 1.000 km a andar de moto… algum abuso num ou noutro restaurante… ou mesmo porque o azar nos bateu à porta e fomos forçados a fazer uma paragem para uma reparação mais cara, etc.

b) Planeamento do percurso


Juntamente com o planeamento anterior (financeiro) está o “onde queremos ir”. Esta decisão pode ser melhor apoiada e estudada utilizando ferramentas como o Google Maps e o MapSource, facilmente podemos traduzir em quilómetros os locais que queremos visitar e se estão dentro do nosso limite de dias para a viagem.


Acho razoável partir do pressuposto que não devemos fazer viagens de moto com tiradas acima dos 800 km/ dia (até 1.000 ou 1.200 no limite, se as estradas permitirem velocidades relativamente mais elevadas). O ideal será manter um ritmo maior nos primeiros dois ou três dias, que permitam fazer grande parte dos quilómetros. Depois, andar na casa dos 300 km por dia. Um bom princípio é fazer os quilómetros no período da manhã e utilizar o almoço para recuperar energias e descansar um pouco, reservando a tarde para conhecer e usufruir o destino, com a moto estacionada na garagem do hotel, quando possível, e caminhar ou usar transportes públicos. Caminhar é muito importante, pois o exercício físico compensa o tempo que estamos em cima da moto. É o que tento fazer. Fica-se a conhecer bem melhor as cidades para onde vamos.

Uma dica é utilizar os autocarros de “city tour” no primeiro dia, sempre que existam. Dão-nos uma boa visão global dos pontos mais importantes, normalmente com áudio interpretativo do que estamos a ver/ passar, com a vantagem extra dos bilhetes poderem ser normalmente utilizados ao longo das 24 horas seguintes, permitindo entrar e sair sem adquirir outro, evitando mais custos de transporte (pelo menos nessas 24 horas). Mas sobretudo porque as rotas estão desenhadas para passar nas principais atracções.

Utilizo uma folha de cálculo (Excel), que construí e parametrizei para melhor gerir esta componente da viagem. Posso partilhar convosco, para isso, caso estejam interessados, basta enviar um e-mail a solicitá-lo para aqui.

Para reservar o alojamento, o “Booking.com” é uma boa solução. Permite adequar o alojamento ao trajecto, em função do tecto financeiro planeado, com a possibilidade de desistência, pela Internet, desde que com a antecedência mínima de 24 horas. Se nos atrasarmos num local, podemos sempre refazer as reservas, de forma cómoda e eficiente.


c) Planeamento operacional


Esta parte, no meu caso, é relativamente simples, apesar de incrivelmente detalhado. Como é que faço? Nada mais, nada menos do que conferir uma check-list (posso partilhar este ficheiro também, usando o e-mail indicado em cima). Sempre que exista no mercado, utilizo acessórios específicos para viagem, mais pequenos e adaptados ao pouco espaço disponível.

Em relação à roupa, a regra é: “menos é mais”! Levar menos implica lavar mais, mas pelo menos não exageramos na quantidade. Normalmente tenho três ou quatro mudas, um deles fica como SOS e o resto vou lavando todas as noites, quando chego ao hotel. Se for necessário (Inverno), utilizo o secador de cabelo ou o aquecedor do quarto de hotel para secar a roupa. Levo obviamente detergente. Numa viagem de fim-de-semana levo praticamente a mesma roupa que numa grande viagem, com os pequenos ajustes necessários.


Como o espaço é pouco, devemos reflectir sempre se necessitamos mesmo de tudo. Um truque pode ser organizar tudo em cima de uma cama, depois, ao arrumar, pensar se será mesmo necessário levar cada um dos itens. Por vezes não é. Se revelar-se necessário, compra-se algures ou quando chegarmos ao destino.



Algumas dicas extra


- A moto deve ser, tanto quanto possível, adaptada à viagem. Uma moto touring, com malas laterais e uma topcase é a ideal. Mas existem no mercado, para além do equipamento de origem, diversas empresas que fabricam especificamente material para vários modelos. Pessoalmente gosto da Touratech pela variedade de referências que “oferece” e pela perfeita adaptação às motos e às nossas necessidades;

- Se levar pendura, um truque é dividir as malas, uma para cada pessoa. No fim, garantir que o peso está equilibrado. Costumo pesá-las numa balança de casa de banho, para não existir grande diferença de peso, a existir, deve-se trocar algumas coisas de um lado para o outro, até ficar devidamente equilibrado;

- A topcase é utilizada apenas para equipamento fotográfico, luvas extra, etc.; caso seja necessário, numa paragem arrumo lá dentro os capacetes e as luvas e carrego o conteúdo da topcase às costas, dentro de uma mochila (que também evita que as coisas andem espalhadas na topcase). Facilita nos passeios e visitas que fizermos ao longo dos percursos, antes de chegar ao hotel, evitando o desconforto de carregar o capacete ao ombro;

- Levar pequenos frascos de plástico para colocar champô, gel de duche líquido para lavar roupa, caso não se disponha de produtos específicos para viagem. Nunca conto com os produtos do hotel, prefiro os meus;

- Separar o dinheiro em lotes e distribuir pela bagagem e casacos; usar cartão de débito ou de crédito sempre que possível, reservando o dinheiro apenas em última recurso e ter sempre pelo menos uns 100,00€ escondidos – caso seja necessário, por exemplo, parar e comer num local isolado, que não disponha de meios de pagamento electrónicos, ou atestar o depósito num local que, por qualquer motivo, não tenha esta funcionalidade disponível num dado momento (já me aconteceu);

- Levar números de contacto 24H dos bancos (para o caso de ser necessário cancelar algum cartão por roubo, extravio ou qualquer outro motivo);


- Nunca deixar que o cartão bancário saia da nossa presença ou visão;

- Devemos garantir que a próxima manutenção da moto fica além dos quilómetros que nos propomos percorrer. Ainda assim, não é má ideia uma visita preventiva ao concessionário/ oficina, ou mesmo verificar em casa o óleo, atestando-o, se necessário. Pessoalmente, desde que a moto não supere os quilómetros da revisão, nem me preocupo com isso. Há quem leve ¼ litro de óleo, para uma eventualidade (caso as especificações do óleo sejam pouco comuns). Em todo o caso, levar uma lista (com morada e contacto telefónico) dos concessionários da marca ao longo do trajecto pode não ser má ideia;


- Os pneus são a nossa segurança. Devem estar em boas condições e aptos para ir… e voltar. A pressão dos mesmos (sempre tirada a "frio") deve ser mantida nos valores correctos, corrigidos para o peso/ número de ocupantes, temperatura ambiente, terreno, etc.;


- Levar os números de telemóvel principais com o “+351” inserido. Facilita os contactos. É uma boa política pedir a um amigo ou familiar que seja o contacto SOS durante a viagem. Mantendo-o informado por SMS de onde está;

- Vivemos um mundo cheio de tecnologias de informação, mas nunca confiar exageradamente no telemóvel. Levar uma lista de contactos telefónicos de familiares e amigos (plastificada por causa da água) num bolso do blusão, para a eventualidade de perder ou partir o telemóvel e necessitar de os contactar. Em caso de acidente, a equipa de emergência terá acesso a essa informação;


- Respeitar sempre os usos e costumes dos países por onde passamos, sobretudo em África e países árabes. Para isso, é conveniente estudá-los previamente, ler antecipadamente algumas tradições e informação neste âmbito;

- A pendura deve levar uma chave extra (da moto), para o caso de perdermos a nossa (ou em resultado de furto/ roubo) - se viajarmos sozinhos, mas com outra moto, trocar com o companheiro de viagem as respectivas chave extra;

- Preparar o roteiro cultural e outros locais de interesse e descarregar os waypoints no GPS facilita chegar até eles, mesmo que estejamos a pé;

- Levar uma lista de hotéis alternativos (com contactos) nas zonas de passagem e destino, se o GPS tiver esta informação disponível, não será necessário (já me aconteceu estar cansado, no meio de nada e simplesmente procurei no GPS o hotel mais próximo… em poucos minutos estava de banho tomado a dormir o descanso dos justos!!);

- Levar endereços e telefones de emergência (o número europeu de emergência é o 112, em qualquer das redes, fixa ou móvel, nos outros países, convém pesquisar previamente);

- Levar cópia dos documentos e cartões, caso seja necessário cancelar algum (uma sugestão de um dos meus companheiros de blog é fazer upload da informação para a caixa de e-mail, ficando acessível, em caso de necessidade, em qualquer lugar, evitando transportar mais um papel);

- Sempre que possível, adequar o tipo de fibra da roupa que levamos à temperatura prevista nos locais por onde programamos passar;

- Ao viajar para África ou destinos mais remotos, as comunicações podem ser condicionadas. A Vodafone disponibiliza um serviço de telefone por satélite, sem custos que não as chamadas efectuadas e uma caução do aparelho. Se não for utilizado e o entregar intacto, não tem custos e ajuda saber que em caso de necessidade, no meio de um deserto ou de outro local sem qualquer rede GSM, existe à mão um telefone por satélite pronto a funcionar.


Check List (básico)


Vários:
Telemóvel
Chaves extra (guarda a pendura)
Kit reparação de furos
Kit ferramentas básico
Tubo de aquário para dar/ receber gasolina
Fita adesiva (fita americana)
Abraçadeiras de plástico
Manual da moto
Sacos interiores para as malas laterais
2 cadeados (c/combinação) para sacos interiores
GPS
Mapa (em papel)
Guia American Express, Michelin ou outro (dispensa levar mapa)
Sacos de plástico (para a roupa que formos usando, etc.)
Bloco de notas e caneta
Telemóvel + carregador
Canivete suíço
Lanterna (com pilhas novas)
Máquina fotográfica + carregador (ou baterias extra)
Calças convertíveis em calções (2 pares)
Meias (3 pares)
Boxers (3 pares)
Pólos, T-Shirts ou Sweat-Shirts (4)
Par de ténis/ vela ou outro (que ocupe pouco espaço)
Chinelos e calção de banho (Verão)
Óculos de sol
Mini-kit de costura (agulha e linhas)
Frasco pequeno (de plástico) com detergente roupa

SOS:
Betadine
Pensos rápidos
Baton cieiro (levar no casaco)
Protector solar
Pomada para queimaduras
Anti-pirético
Anti-histamínico
Anti-diarreico
Antiácido
Desinfectante (anti-séptico)
Solução de álcool em gel (lavagem de mãos)

Higiene pessoal:
Corta-unhas
Escova de dentes com dentífrico (kit viagem)
Escova cabelos
Sabonete pequeno
Champô
Desodorizante em creme

Documentos:
Cartão do cidadão/ bilhete de identidade ou passaporte
Carta de condução
Seguro (carta verde)
Documento único ou livrete e registo de propriedade
Cartões de débito (contas/ bancos diferentes)
Dinheiro para pequenas despesas correntes
Dinheiro SOS (100,00€)
Cópia dos documentos e cartões
Cartão Europeu de Seguro de Doença
Cartão plastificado com o grupo sanguíneo e contactos

Segurança e conforto:
Tampões para os ouvidos
Capacete
Passa-montanhas (viagens com previsão de frio)
Luvas *
Blusão com protecções *
Calças com protecções *
Botas com protecções *


* Garantir que são impermeáveis, especialmente se existir previsão de chuva


Parece muita coisa, mas não é. São apenas algumas dicas que devemos ter presentes e que podem ajudar, especialmente se as sistematizarmos. Uso-as sempre, procurando melhorar este procedimento a cada nova viagem, pois facilita muito, sobretudo quando vamos para locais mais distantes.


Se nos esquecermos de alguma coisa, podemos sempre comprar, em último recurso, ao longo do caminho, em países africanos ou no Médio Oriente a "coisa" pode não ser tão fácil!


Boas aventuras!!

5 comentários:

Francisco Coelho disse...

Mainada ... !
Agora é só pegar na trouxa e partir ;-)

Rui V. Gago disse...

Também temos a alternativa da viagem não programada... pegar no essencial, esquecer o acessório e o supérfulo e partir para onde a moto nos levar!!!
O mesmo objectivo - duas abordagens...

José Matias disse...

Com esta lista de items, ainda acabas a deixar a pendura em casa ;o)

Unknown disse...

A pendura ficar em casa??? Não me parece... cabe tudo, bem arrumadinho! Só não fica é espaço para grandes compras :-( Mas há sempre a possibilidade de comprar e enviar por correio!

Jorge Lami Leal disse...

... já está a ser planeada, ou melhor, já está quase, quase programada! Faltam alguns pormenores... como arrumar a trouxa!! ;-)