2010/01/26

Barrocal algarvio [2010/1/3]

Por: Jorge Lami Leal



O Algarve no Inverno é diferente. A paisagem também. Este passeio foi o primeiro deste ano, sozinho, três horas, todas elas à chuva. Sempre com um sorriso nos lábios. O ponto de partida inicial foi Faro, mas o centro de Tavira foi onde começou mesmo a contar.





Arranquei rumo ao barrocal, sem nada na cabeça que não o objectivo de percorrer uns agradáveis quilómetros sem preocupações, trânsito e outras complicações. Vi pequenas capelas, ruínas, casas antigas bem preservadas, outras em muito mau estado, algumas descaracterizadas, outras que pareciam não ter sofrido a influência dos anos, mas pelo percurso não pude deixar de reflectir que o barrocal (assim como a serra algarvia) distam muito mais do litoral do que os poucos quilómetros que os separam. Não são apenas os minutos ou a distância, mas a forma de estar e de receber que é outra.





Fui pelo Prego, Luz de Tavira e a seguir Santo Estêvão, por entre alfarrobeiras. Por estradas muradas de pedra cheguei a Estiramanténs. Este característico povoado, na freguesia de Santo Estêvão – Tavira, é um museu vivo da arquitectura algarvia do século passado. Ao entrar nesta terra, para fotografar algumas fachadas, fui logo calorosamente cumprimentado por um grupo de senhoras, que conversavam à beira da estrada, ainda que chovesse ligeiramente. Como se isso impedisse o saudável convívio entre vizinhas! São estes pequenos nadas que me levam a preferir o interior para este tipo de passeios.

Legenda: esta casa caiada de branco, em Estiramanténs, era a antiga venda, propriedade do Sr. Mendonça e da D. Natalina. A janela de esquina e a da direita eram portas [porque a nostalgia é um sentimento sublime e nos transporta para as nossas memórias, fica esta legenda, em agradecimento à mãe do nosso Rui Viegas Gago, por esta informação adicional. Este blog é também feito de memórias]







Segui novamente até à Luz de Tavira (enfim, por engano meu) e dali para a Torre d’Aires. Esta antiga defesa de costa resistiu aos séculos, ainda que tenha beneficiado de algum investimento e arranjo recente, pouco deixa perceber o que foi e a importância que teve na defesa destas populações, especialmente das que viviam mais perto desta costa.



Segui depois até ao Fundo, sempre acompanhado por características chaminés algarvias e as singulares plantibandas, bem garridas, destacando-se das casas singelamente caiadas de branco. Quando me cruzo com elas de moto, não deixo de pensar que antigamente construíam-se casas com arte e primor, com carinho.



Parei para mais umas fotos, bem perto de um forno que, pelo cheiro, cozia pão. Não quis abusar da hospitalidade…

Com a chuva sempre a cair, não estavam disponíveis os aromas habituais que a vegetação solta ao longo do trajecto, mas isso apenas despertou mais os restantes sentidos. Ainda me cruzei com alguns cães de grande porte, que normalmente assustam qualquer motociclista, face ao possível perigo, mas aqui, até os cães são simpáticos e mais interessados em nos perceber e conhecer, que atacar.



A moto entrou, pouco depois, nos 9.800 km. Quase todos cravados na minha memória… até aqueles que já esqueci lá ficam, contribuindo para as experiências de que usufruo a viajar e passear de moto.

Depois segui directo até à Ilha de Faro, ponto de encontro – aos domingos de manhã – de um grupo de motociclistas desassossegados.

Pinguinos 2010 - Valladolid [1/3]

Por: Rui Viegas Gago

Tendo como pretexto o encontro anual dos “Pinguinos 2010” juntou-se um grupo de amigos e rumamos a Valladolid.

Pinguinos” é um encontro de motociclistas organizada pelo “Club Turismoto” que tem como objectivo receber e juntar os motociclistas de inverno que se predisponham a fazer a viagem para conviver em condições climatéricas adversas.

A primeira edição deste encontro anual realizou-se no ano de 1982. De acordo com o “Club Turismoto” o objectivo principal do encontro é fomentar o convívio através do mototurismo. Este encontro tem mudado de localização mantendo-se sempre na área de Valladolid.

ETAPA 1 - IDA

2010.0108

O objectivo era ligar Tavira a Valladolid, de moto, no mesmo dia, não necessariamente pelo caminho mais curto nem pelo mais rápido. Seria antes pelo mais interessante consoante as condições climatéricas o permitissem.

Com cerca de 900 kms pela frente a saída de Tavira foi pelas 5.00 horas da manhã, ainda era noite cerrada tendo ponto de encontro ainda no Algarve, com mais três amigos. E lá seguimos viagem com temperaturas sempre na ordem dos zero graus centígrados ainda no Algarve.

Apesar de não ser a nossa primeira, nem segunda, opção seguimos até Badajoz sempre por auto-estrada de modo a estar no ponto de encontro à hora acordada com o “errante” Francisco Coelho e os restantes amigos de Lisboa aos quais nos juntaríamos.

A partir desse momento, de mais uma paragem para abastecimento e dois dedos de conversa, a auto-estrada foi coisa do passado.

Agora passava-se tudo nas estradas nacionais.

Rumámos a Cáceres e daí a Plasencia mas antes a obrigatória paragem no miradouro do “Parque Nacional de Monfrague” para contemplar a magnífica paisagem, o Rio “ainda” Tajo e ver e fotografar os Abutres Negros.

Seguimos viagem em direcção a Plasencia e eram horas de mais uma paragem, desta vez para abastecer os estômagos que já vinham reclamando das horas.

Depois de abastecidos numa paragem rápida, de Plasencia rumámos ao “Valle del Jerte” que tem o nome do rio que o acompanha, em plena Serra de Gredos.

A temperatura teimava em rondar os zero graus e todos agradecíamos ao equipamento que levávamos e que por momentos, antes da partida, pensámos que fosse demasiado.

O Vale é deslumbrante, característico pelas cerejeiras e pelas povoações medievais que surgem junto ao Rio Jerte na sua descida desde onde nasce, junto a zona da povoação de “Tornavacas” a cerca de 1800 metros de altitude.

Pouco depois do início da subida começam a surgir os primeiros flocos de neve, a emoção aumenta, as paisagens tornam-se ainda mais deslumbrantes mas as temperaturas voltam a baixar para números negativos. Os cuidados em cima das motos redobram-se tentando perceber se as condições de aderência eram suficientes para seguir viagem em segurança.

Primeira paragem já no Vale para fotografar o momento e conferenciar sobre as condições do percurso traçado. O horizonte estava negro e nos últimos quilómetros antes da paragem tínhamos a sensação que íamos a caminho de uma tempestade desconhecendo por absoluto o que iríamos encontrar. A única certeza era que o vale apenas permite duas opções nestas situações, seguir em frente ou voltar para trás.

Após conferência, o “road líder” continua o rumo traçado anteriormente seguido de toda a caravana. Ao todo éramos onze motos BMW. Mantendo a tradição, o motor boxer dominava tendo unicamente como excepções, a K1200LT do Francisco, uma K1200GT e uma F800GS.

Tal como previsto, o clima e as condições da estrada iam piorando à medida que subíamos rumo ao “Puerto de Tornavacas”. Este ponto fica exactamente na divisão entre as províncias de Extremadura e de Castilla y León e serve de miradouro para todo o Valle de Jerte, tanto na direcção de Plasencia como de Ávila. Com as condições a ficarem mais precárias de minuto a minuto, após as fotografias da praxe e os dois dedos de conversa lá seguimos viagem, agora descendo o vale, em direcção a Ávila até à próxima paragem para fotografias na localidade de “El Barco de Ávila”, dominada pelo seu castelo do século XII cuja reconstrução data do século XV, que se impõe ao Rio Tormes e à ponte românica cuja reconstrução data do século XII.

Já fora da Serra de Gredos retomamos viagem em direcção a Ávila onde, dado o adiantado da hora e estando a noite a cair com a mesma intensidade que o nevão que se fazia sentir, não efectuamos qualquer paragem. A prioridade era conseguir chegar a Valladolid, já não de dia porque era impossível, mas apenas chegar.

As estradas começavam a ficar difíceis de transitar e a visibilidade não era já suficiente para permitir uma condução em completa segurança. Por outro lado, faziam já catorze horas e cerca de 900 kms que tínhamos saído de casa e já era de noite outra vez.

Pelas 19.30 lá chegámos a Valladolid. Em perfeitas condições, apenas o cansaço se fazia sentir mas a adrenalina da viagem pelas condições em que foi feita, em conjunto com o latejar das imagens dos locais onde havíamos passado que nos bombardeava o cérebro faziam esquecer o cansaço. A estadia fez-se no Hotel Olid e até as motos tiveram direito a garagem para o merecido descanso. À nossa espera, no aconchego do bar do hotel, estavam já cinco amigos à espera para jantar.

2010/01/25

Apresentação

A nossa vida resume-se a escolhas, pequenas, grandes, irrelevantes, marcantes! Umas melhores do que outras, mas todas elas participam na composição da nossa vida, precipitam quem somos. Também os caminhos que escolhemos – a nossa itinerância – definem o que somos. A errância destes, enquanto abstracção do nosso percurso, garante e explica o nome deste blog.

“Itinerância errante” é um novo blog, nosso, de quem escreve e de quem lê, neste novo ano que agora começa, antecâmara de uma nova década!

Isto de andar de um lado para o outro em cima de uma moto merece ficar registado. A partir de Janeiro de 2010 vamos partilhar com todos aqueles que, como nós (e não só...), gostam de passear e de viajar de moto, as nossas aventuras e desventuras, as opiniões, ideias, epifanias, experiências e algumas dicas e conselhos – esperamos que seja uma dádiva biunívoca, pois estamos sempre prontos para os receber. Andar de moto também é partilhar e interiorizar o espírito de entreajuda.

Vamos escrever neste blog de uma forma descomprometida e, acima de tudo, com o nosso ritmo.

A moto, para nós, não é um simples meio para chegar a um qualquer ponto. Não é sequer um meio de transporte em si próprio. Existem muitas outras formas de o fazer de forma mais confortável, eficiente e até rápida. Viajar em cima de uma moto é pois uma filosofia diferente, é usufruir o percurso, as paragens, os cambiantes, aqueles pequenos nadas que nos impelem a sentir cada metro de estrada percorrida, perceber e aceitar as diferenças de piso, de aderência, de forma diferente, até as pausas nos cafés de beira da estrada, onde as conversas tomam o lugar dos agasalhos, são muito mais do que meras paragens de percurso.

Andar de mota é estar em perfeita comunhão com o caminho, com os elementos, resumindo, com a viagem em si. É mais que partir para o destino… é olhar para a linha do horizonte e tentar chegar lá perto, mesmo sabendo que tal é impossível…

Que melhor maneira de começar o ano!

Sejam então bem-vindos e façam-nos o favor de participar, comentando!

Francisco Coelho
Jorge Lami Leal
Rui Viegas Gago