2010/08/17

Por: Francisco e Celeste Coelho

A Lenda

Conta-se que após a morte de Jesus Cristo, o Apóstolo Tiago terá ficado em Jerusalém, tendo aí sido decapitado.

Diz-nos a lenda que dois discípulos seus, transportaram os seus restos mortais até ao norte de Espanha, onde o sepultaram. Terão guardado o sepulcro até morrerem e foram sepultados ao seu lado em dois túmulos de menor dimensão.

Sete séculos mais tarde, a localização de um sepulcro terá sido denunciada por uma chuva de estrelas a um pastor de nome Pelaio, tendo sido revelado de forma divina ao bispo da diocese de Iria, Teodomiro, que eram os restos mortais do Apóstolo Tiago.

Ao tomar conhecimento da revelação, o Rei Afonso II manda erguer naquele local uma igreja a assinalar o local, tornando-se um local de peregrinação. O número de peregrinos vai aumentando, assim como a dimensão da Igreja de Santiago que é transformada em basílica, o primeiro de vários passos para a construção da Catedral no ano de 1075, no Reinado de D.Afonso VI.


Os Caminhos de Santiago

Santiago de Compostela torna-se um grande destino de peregrinação a par de Roma e Jerusalém.

São vários os trilhos percorridos pelos peregrinos, desde há milhares de anos, em direcção a Santiago e todos eles constituem os Caminhos, aliás, costuma-se dizer que todos os caminhos vão dar a Santiago e que a verdadeira peregrinação começa à porta de casa, n

o entanto existem aqueles que se consideram os mais conhecidos e assim sendo são estes os Caminhos

:

- O Francês (Património Cultural da Humanidade) é o mais famoso e conhecido, iniciando-se nos Pirenéus onde confluíam as principais rotas peregrinas de toda a Europa;

- O Inglês, usado maioritariamente para os peregrinos do Norte da Europa que desembarcavam na Corunha;

- O de Via de Prata, para os que vinham do Sul e Oeste de Espanha;

- O Português.

Se nesses tempos as peregrinações a Santiago de Compostela tinham uma índole proeminentemente religiosa, nos nossos dias as peregrinações a Compostela para além da fé têm muitas outras motivações…

Seguindo este principio decidimos fazer a nossa “Peregrinação a Santiago de Compostela” de mota, percorrendo o Caminho Francês.

Já havíamos ido a Santiago de Compostela também de mota, mas a vontade de lá voltar ficou… é um sentimento comum a quem percorre os vários Caminhos de Santiago.

Talvez esse sentimento resulte do misticismo que envolve a história do Apóstolo Tiago, um dos Doze de Jesus, bem como de todo o ambiente que se vive em Santiago!

Ano Xacobeo


O dia de S. Tiago, Apóstolo, celebra-se no dia 25 de Julho.

Pela primeira vez, o Papa Calisto I, decretou como Ano Santo de Santiago de Compostela o ano de 1112.

Em 1179, Alexandre III decretou a sua perpetuidade, tendo estabelecido que sempre que num ano o dia de Santiago, 25 de Julho, coincidisse com um Domingo, esse dia seria declarado santo. É comum referir-se aos anos santos de Santiago como anos santos jacobeus (xacobeo em galego), já que Tiago e Jacob são o mesmo nome.

2010 é ano Xacobeo, o último foi em 2004 e próximo será em 2021, a cadência é de 11, 6,5,e 6 anos.

Por ser ano Xacobeo foi maior a nossa motivação em voltar este ano a Compostela.


Vai continuar ... é claro !

2010/08/13

Momentos: aquele quilómetro perfeito…

Por: Jorge Lami Leal


Pegar na moto e partir por aí, visitar lugarejos, aldeias, vilas ou cidades, interagir e conhecer, ou simplesmente perder-me, não na estrada, mas na cabeça, está intimamente ligado àquilo que me dá prazer quando viajo de moto. Por esse motivo a distância torna-se por vezes importante, não por si própria, mas pelo que representa de diferenças e contrastes. Mas existem viagens, ou pedaços delas, que têm vida autónoma na nossa memória, apenas porque foram uns metros – um quilómetro, ou muitos mais – deslumbrantes. Pode ser por causa de uma ou mais curvas – pela paisagem que quase não vimos, ou que parámos para escutar, ver, vivenciar, ou que sentimos simplesmente ao passar – pode ser pela rapidez da estrada, ou por ser tão lenta, ou por qualquer outro de tantos e tantos motivos. Cada um terá o seu momento. Os seus momentos.



O meu quilómetro perfeito foi algures no meio da Toscana. Aquela Itália parecida com o Alentejo rural das grandes planícies, intercaladas por algumas serrarias, com longas estradas nacionais ladeadas por campos de cereais, cortados por pequenas ou grandes matas. O meu quilómetro perfeito foi por ali, à sombra de grandes árvores, num dia de calor, viajando devagar, com toda a calma que as férias nos permitem. Percorri uns quilómetros de curvas muito ténues, quase imperceptíveis, que mais não era necessário fazer que deixar a moto embalar e curvar muito ligeiramente… sentindo a pele refrescada pelo ar que arrefecia ao correr por entre a vegetação e as ramagens das árvores, naquele ambiente bucólico e levemente adormecido do mundo. Perdia-me nos meus pensamentos, enquanto fazia cada metro daquela estrada.



Tenho mais quilómetros perfeitos. Mas hoje recordei-me deste, com alguma saudade de partir (quase) sem destino…













2010/08/12

As “concentrações” de motos, sex&rock&roll

Por: Jorge Lami Leal

As concentrações de motos são, para muitos, o auge do ano. A grande viagem, aquele tempo onde a descontracção de um ano de trabalho é concentrada nuns dias de liberdade total. Comparo-as um pouco com os festivais de Verão. São muito similares na forma, apesar de divergirem eventualmente no conteúdo. Apesar de só conhecer, como inscrito, a de Góis, vivo ao lado da Concentração Internacional de Faro há muitos anos e conheço-a muito bem. Num Lés-a-Lés visitei uma outra, mais pequena, cujo clube era responsável pelo almoço. Vejo-as sempre, qualquer que seja o seu tamanho, com um olhar curioso de quem tenta perceber algo para além das evidências.



Admito que não sou apreciador de concentrações, seja de que tipo for, primeiro porque são (demasiadas) pessoas (e motos) juntas, depois pelo barulho excessivo, mas sobretudo porque não têm estruturas adequadas à enchente. Prefiro andar de moto uns dias, do que encostá-la e ficar num recinto a ouvir concertos, com demasiada confusão. Mais sempre digo que a minha experiência de Góis foi muito interessante pois permitiu conhecer um pouco melhor aquela fantástica região, as curvas daquelas serrarias, algumas aldeias ímpares e o grupo, que esteve sempre motivado para fugir ao recinto e palmilhar território. Dentro do recinto apenas assisti a cerca de uma hora e pouco de concerto e fiz algumas refeições, para além da dormida, auxiliada pelos tampões que coloquei nos ouvidos, quando pensava que não ia dormir naqueles dias. E resultou muito bem!



Assisto no entanto à “concentração” como algo positivo, que junta em torno da moto milhares de pessoas, que se apresentam com um espírito diferente daquele que têm no quotidiano. Alguns com o mesmo. Outros que trocam o fato que usam no seu dia-a-dia por um colete, uma t-shirt ou nem isso e vivem aqueles dias despreocupadamente, com amigos, dormindo (ou não) numa tenda. É sobre esta parte da concentração que gosto de soltar a minha curiosidade. Percebem-se perfeitamente quais são os que estão no seu habitat natural e os que não estão, mas mesmo os camuflados, integram-se e são bem aceites pelos restantes. Esta será quanto a mim a grande vantagem das concentrações, ninguém repara em ninguém, a não ser se estiver em cima do palco, com a t-shirt ensopada em água... ou já sem t-shirt…



É também uma festa familiar, mas pode ser uma festa mais individual. Na generalidade fazem-se amigos, conhecem-se pessoas, trocam-se histórias, na mesma quantidade de cervejas consumidas. As menores condições para dormir e tomar banho são amplamente compensadas pelo ambiente de descontracção ou, para os mais necessitados de “civilização”, a reserva do hotel pode contornar as menores condições da tenda. Quanto a mim, fazer a inscrição numa concentração e dormir num hotel é como visitar uma cidade e não conhecer as suas principais atracções. Admito que a falta de condições possa levar a isso, não critico quem o faz, mas parte da experiência perde-se.


Encontro imagens fortes de pais com os seus filhos, alguns com um bebé num braço e o capacete no outro, muitos casais, muitos “malucos” nas suas máquinas infernais, algumas preciosidades, algumas raridades, muitos modelos novos, muitos que não sei como se podem caracterizar… quer pelo rasgo de criatividade… quer apenas pelo “rasgo”. Nestes eventos, para quem gosta de motos, pode encontrar de tudo, desde motos de fábrica até às mais alteradas. Desde motos que não são motos e coisas que não são motos e que se tornam motos.





Claro que existem uns quantos espertos que gostam de fazer as suas motos sofrer (juntamente com a paciência e os tímpanos dos outros), em ráterers, burnouts ou levar o motor quase à exaustão, acelerando-a sem dó nem piedade, sem que a moto cumpra a função de se mover. Estes são sempre poucos, mas fazem-se ouvir. São uma nódoa que não percebo porque motivo não é erradicada destes eventos, pelo prejuízo que causa ao colectivo que ali está para se divertir.



Mas é a cor e a agitação que dão espectacularidade. Na Concentração de Faro, por exemplo, gosto de assistir à entrada dos participantes, carregados com mochilas e sacos e até tendas circulares às costas – à Capitão América – também pela cor e diversidade das máquinas que vão passando, ainda completas com a parafernália necessária para alguns dias de lazer. Ou os reboques que carregam as motos para a concentração (!?!?!?)




A auto-suficiência é para mim a única forma de fazer eventos destes. Em Setembro vou ao Touratech Travel Event, que também é uma espécie de concentração, ainda que com especificidades diferentes, mas só concebo a viagem se acampar e usufruir dessa auto-suficiência que tanto admiramos nas viagens de algumas motociclistas, que percorrem sobretudo África. Admito que com a idade possa deixar de pensar assim, mas dois dias por ano a dormir de costas no chão, não me parece para já muito grave.




Voltando ao tema, uma vez que gosto de fotografia, estes eventos são também uma fonte inesgotável de “bonecos”, muitas e interessantes fotografias são tiradas, permitindo retratar momentos e figuras, máquinas e ambiente, de uma grande festa. Algo que me interessa fotografar particularmente são as mulheres motociclistas, pela raridade, mas que nestas concentrações são às dezenas e cada vez vejo mais. É o unicórnio desta “comunidade”. Quase um mito no resto do ano, menos nestes dias. Também gosto daqueles momentos rápidos, que se lá estivermos à distancia de um click, conseguimos congelar em fotografia uma qualquer cena inusitada, que de outra forma se perde…



Vê-se cada vez mais grávidas nestes eventos, o que significa que a família compartilha estes momentos, muitas acampando, mostrando bem o espírito que têm, necessariamente forte.



Infelizmente a comunicação social, num modelo demasiado esgotado, mas que faz jus ao pobre critério jornalístico que a pouca formação e cultura da classe tem revelado, filma e entrevista as “personagens” que por lá andam, pois são esses que dão um melhor momento televisivo, apesar de, quanto a mim, não serem assim tão representativos deste conjunto. São pessoas normais que por ali andam. Pelo ambiente, provavelmente mais descontraídos do que habitualmente, quiçá alcoolicamente mais bem dispostas, mas são sempre os “cromos” que têm espaço de antena. São critérios.



Apesar de não frequentar concentrações, de fugir delas, admito que são coloridas e uma fórmula interessante de viver o espírito de liberdade que associo às motos. Apesar de achar ainda que ela é melhor exercida em cima da moto, a andar por essa estrada fora…

… e por falar nisso… vamos andar de moto!

2010/08/08

O que é ser “motociclista”?

Por: Jorge Lami Leal

O que é ser “motociclista”? Existe um conceito bem definido ou é um apodo? Alguém é golfista simplesmente porque joga golfe nos seus tempos livres? Do conjunto das actividades profissionais e pessoais que desenvolvemos, andar de moto deve ser assim tão qualificativo? Vivemos numa sociedade de epítetos, mas isso não significa que todos sejam apropriados, ou que concordemos com a definição mais comum. Chamar alguém de “motociclista” não é mais do que tentar defini-lo, quanto a mim, de uma forma demasiado simplista e linear, apenas pelo transporte que utiliza. Ser “motociclista” é bem mais do que isso.



Escalpelizemos o conceito. Um “motociclista” pode ser definido como alguém que anda de moto, não vive em função da moto, mas esta desempenha um papel importante no seu quotidiano e serve de fio condutor a uma parte afirmativa da sua vida pessoal, sobretudo nos tempos de lazer, nas viagens. Não tanto por andar de moto, mas porque desenvolve uma série de actividades em que se faz acompanhar dela, enquanto potenciadora de sensações.



Quantos ditos “motociclistas” deste País se limitam a sê-lo entre a sua residência e o trabalho, numas idas ao café e pouco mais? Acredito que são a maioria! Mais do que antes, mas ainda assim muito poucos são os que se aventuram e viajam de moto por este pequeno grande mundo a nossos pés, ou que a utilizam para algo mais do que um simples (e num sentido mais literal) meio de transporte, cómodo e prático. Não digo com isto que quem anda pouco de moto não possa ter o “verdadeiro” espírito “motociclista”, que vive a moto e as viagens quase como um culto e um estilo de vida. Claro que pode! Existem pessoas que pelos mais diversos motivos, não andam tanto quanto gostariam. Não é pois pelo número de quilómetros feitos que se define um “motociclista”.



Nem todos os que têm uma moto na garagem têm este espírito, muitos ignoram por exemplo o facto de pertencermos a uma espécie de comunidade informal, que pouco se nota, a não ser quando nos cruzamos com outro “motociclista” e levantamos a mão no ar, num fugaz mas inclusivo cumprimento, comportamento que tenho visto perder-se paulatinamente nos últimos 10 anos, precisamente com o aumento do número de motos em circulação, o que não deixa de ser estranho ou até curioso. Daí o meu problema com o conceito, pela abusiva generalização que permite, ou porque não me revejo em muitos comportamentos que vejo na estrada… e acabo por ser mais um “deles”, apenas porque estou a circular em cima de uma moto!



As organizações que poderiam ser “incubadoras” de “motociclistas” – os motoclubes, em especial os de bairro ou cidade – porque normalmente têm sedes próprias onde é possível realizar encontros regulares, muitas vezes não têm este mérito. Mas apesar de reunirem dezenas ou centenas de pessoas, a maioria pouco anda de moto. Muitos nem têm o culto dos “anciãos”, pessoas com mais anos em cima da moto, a viajar, com muitos quilómetros de experiência em passeios e viagens, com referências idóneas em termos do seu comportamento na estrada e porque não na vida, com ética “motociclista” e ensinamentos válidos para dar, ou apenas histórias e estórias para inspirar os mais novos.



A sociedade contemporânea pouca importância dá à idade. O que antes era um “posto”, um “estatuto”, hoje está completamente desvalorizado. Perde-se por isso parte do que fomos, pois não ouvindo contar, não se conhece, não se aprende, não se faz, não se volta a contar, a ensinar. É a vida, rápida, com pouco tempo para ouvir.



Vejo também com um sentimento misto de gozo e de pena um sem número de carrinhas e reboques que transportam as motos por exemplo para a concentração de Faro (refiro esta porque resido em Faro). Estas pessoas perdem desta forma a melhor parte de qualquer passeio: a ida e o regresso!



Pessoalmente não gosto de ser comparado com uma miríade de pessoas que utilizam moto sem qualquer respeito pelo próximo ou mesmo por si. Na última viagem que fiz, no final de Julho, saí de casa (Faro) numa sexta-feira, que coincidiu com a concentração de Faro, mas como passei o fim-de-semana no Alentejo e só continuei a minha viagem no domingo, partilhei a estrada com largas dezenas de “motociclistas”. A maioria regressava de forma normal e mais ou menos ordeira. Mas destacaram-se alguns “animais” (seria o epíteto mais apropriado para alguns deles) que passavam por mim acima dos 200 km/h, dentro da minha faixa de rodagem, a poucos centímetros de mim, colocando-me (e à minha pendura) em perigo. Alguns seguiam a velocidades vertiginosas, mas apesar disso vestiam calças de ganga, t-shirt e ténis, sem luvas, sem protecções. Muitos com os escapes ao rubro, com um som justificado em autocolantes que dizem: “Loud Pipes Save Lives” ou na esperança de ganhar 2 cv extra, que não fazem grande falta a motos tão leves, já com tanta potência. Curioso, pois passaram por mim algumas motos de pista, com silenciadores de origem, seguindo à mesma velocidade que as outras, sem aquele barulho ensurdecedor. São opções? Sim. Um problema de educação (comportamento) e civismo? Talvez, mas todos os que regressaram a casa naquele dia foram certamente jogados no mesmo saco pelos automobilistas que viram os comportamentos dos tais “animais”. As generalizações têm destes problemas.



E cá está onde queria chegar. O tal conceito de “motociclista”, que pelos vistos pode ser desagregado em vários. O meu tem uma conotação mais próxima de alguém com um “espírito nómada”, no sentido aventureiro do termo, de busca de aventuras, de experiências, de cultura e conhecimento, atingindo por via das viagens e das experiências. “Viajante” ou “viajante de moto” será para mim o que traduz mais fielmente o tal conceito de “motociclista”. Onde a moto não é um mero transporte, mas uma catapulta potenciadora de sensações e emoções, face às possibilidades que permite, desde logo na gestão dos itinerários, na absorção de cada milímetro do percurso, da possibilidade de sentir os cheiros, as mudanças de temperatura ou da humidade do ar, as variações no piso, a altitude, o relevo que vai mudando, a arquitectura que se altera com o passar dos quilómetros, o material utilizado nas construções, a inclinação dos telhados nas zonas mais chuvosas, ou as casas caiadas de branco nas mais quentes. Permite ainda sentir o calor nas terríveis planícies que experimentamos no Verão, ou aquelas curvas simpáticas e amenas que se seguem encadeadas, quando protegidas pela sombra de grandes árvores: vive-se a estrada que percorremos. Não se vai apenas até ao destino, chega-se lá integrando e interagindo com os elementos, com a distância, até connosco, quando nos permitimos perder nos pensamentos. O caminho é uma parte importante do prazer de viajar.

E afinal onde ficamos? Existe um conceito? Bom... que importa o conceito!?! Tracemos o caminho e deixemos o resto para os que nos vêem passar…

Vamos andar de moto!