2010/08/12

As “concentrações” de motos, sex&rock&roll

Por: Jorge Lami Leal

As concentrações de motos são, para muitos, o auge do ano. A grande viagem, aquele tempo onde a descontracção de um ano de trabalho é concentrada nuns dias de liberdade total. Comparo-as um pouco com os festivais de Verão. São muito similares na forma, apesar de divergirem eventualmente no conteúdo. Apesar de só conhecer, como inscrito, a de Góis, vivo ao lado da Concentração Internacional de Faro há muitos anos e conheço-a muito bem. Num Lés-a-Lés visitei uma outra, mais pequena, cujo clube era responsável pelo almoço. Vejo-as sempre, qualquer que seja o seu tamanho, com um olhar curioso de quem tenta perceber algo para além das evidências.



Admito que não sou apreciador de concentrações, seja de que tipo for, primeiro porque são (demasiadas) pessoas (e motos) juntas, depois pelo barulho excessivo, mas sobretudo porque não têm estruturas adequadas à enchente. Prefiro andar de moto uns dias, do que encostá-la e ficar num recinto a ouvir concertos, com demasiada confusão. Mais sempre digo que a minha experiência de Góis foi muito interessante pois permitiu conhecer um pouco melhor aquela fantástica região, as curvas daquelas serrarias, algumas aldeias ímpares e o grupo, que esteve sempre motivado para fugir ao recinto e palmilhar território. Dentro do recinto apenas assisti a cerca de uma hora e pouco de concerto e fiz algumas refeições, para além da dormida, auxiliada pelos tampões que coloquei nos ouvidos, quando pensava que não ia dormir naqueles dias. E resultou muito bem!



Assisto no entanto à “concentração” como algo positivo, que junta em torno da moto milhares de pessoas, que se apresentam com um espírito diferente daquele que têm no quotidiano. Alguns com o mesmo. Outros que trocam o fato que usam no seu dia-a-dia por um colete, uma t-shirt ou nem isso e vivem aqueles dias despreocupadamente, com amigos, dormindo (ou não) numa tenda. É sobre esta parte da concentração que gosto de soltar a minha curiosidade. Percebem-se perfeitamente quais são os que estão no seu habitat natural e os que não estão, mas mesmo os camuflados, integram-se e são bem aceites pelos restantes. Esta será quanto a mim a grande vantagem das concentrações, ninguém repara em ninguém, a não ser se estiver em cima do palco, com a t-shirt ensopada em água... ou já sem t-shirt…



É também uma festa familiar, mas pode ser uma festa mais individual. Na generalidade fazem-se amigos, conhecem-se pessoas, trocam-se histórias, na mesma quantidade de cervejas consumidas. As menores condições para dormir e tomar banho são amplamente compensadas pelo ambiente de descontracção ou, para os mais necessitados de “civilização”, a reserva do hotel pode contornar as menores condições da tenda. Quanto a mim, fazer a inscrição numa concentração e dormir num hotel é como visitar uma cidade e não conhecer as suas principais atracções. Admito que a falta de condições possa levar a isso, não critico quem o faz, mas parte da experiência perde-se.


Encontro imagens fortes de pais com os seus filhos, alguns com um bebé num braço e o capacete no outro, muitos casais, muitos “malucos” nas suas máquinas infernais, algumas preciosidades, algumas raridades, muitos modelos novos, muitos que não sei como se podem caracterizar… quer pelo rasgo de criatividade… quer apenas pelo “rasgo”. Nestes eventos, para quem gosta de motos, pode encontrar de tudo, desde motos de fábrica até às mais alteradas. Desde motos que não são motos e coisas que não são motos e que se tornam motos.





Claro que existem uns quantos espertos que gostam de fazer as suas motos sofrer (juntamente com a paciência e os tímpanos dos outros), em ráterers, burnouts ou levar o motor quase à exaustão, acelerando-a sem dó nem piedade, sem que a moto cumpra a função de se mover. Estes são sempre poucos, mas fazem-se ouvir. São uma nódoa que não percebo porque motivo não é erradicada destes eventos, pelo prejuízo que causa ao colectivo que ali está para se divertir.



Mas é a cor e a agitação que dão espectacularidade. Na Concentração de Faro, por exemplo, gosto de assistir à entrada dos participantes, carregados com mochilas e sacos e até tendas circulares às costas – à Capitão América – também pela cor e diversidade das máquinas que vão passando, ainda completas com a parafernália necessária para alguns dias de lazer. Ou os reboques que carregam as motos para a concentração (!?!?!?)




A auto-suficiência é para mim a única forma de fazer eventos destes. Em Setembro vou ao Touratech Travel Event, que também é uma espécie de concentração, ainda que com especificidades diferentes, mas só concebo a viagem se acampar e usufruir dessa auto-suficiência que tanto admiramos nas viagens de algumas motociclistas, que percorrem sobretudo África. Admito que com a idade possa deixar de pensar assim, mas dois dias por ano a dormir de costas no chão, não me parece para já muito grave.




Voltando ao tema, uma vez que gosto de fotografia, estes eventos são também uma fonte inesgotável de “bonecos”, muitas e interessantes fotografias são tiradas, permitindo retratar momentos e figuras, máquinas e ambiente, de uma grande festa. Algo que me interessa fotografar particularmente são as mulheres motociclistas, pela raridade, mas que nestas concentrações são às dezenas e cada vez vejo mais. É o unicórnio desta “comunidade”. Quase um mito no resto do ano, menos nestes dias. Também gosto daqueles momentos rápidos, que se lá estivermos à distancia de um click, conseguimos congelar em fotografia uma qualquer cena inusitada, que de outra forma se perde…



Vê-se cada vez mais grávidas nestes eventos, o que significa que a família compartilha estes momentos, muitas acampando, mostrando bem o espírito que têm, necessariamente forte.



Infelizmente a comunicação social, num modelo demasiado esgotado, mas que faz jus ao pobre critério jornalístico que a pouca formação e cultura da classe tem revelado, filma e entrevista as “personagens” que por lá andam, pois são esses que dão um melhor momento televisivo, apesar de, quanto a mim, não serem assim tão representativos deste conjunto. São pessoas normais que por ali andam. Pelo ambiente, provavelmente mais descontraídos do que habitualmente, quiçá alcoolicamente mais bem dispostas, mas são sempre os “cromos” que têm espaço de antena. São critérios.



Apesar de não frequentar concentrações, de fugir delas, admito que são coloridas e uma fórmula interessante de viver o espírito de liberdade que associo às motos. Apesar de achar ainda que ela é melhor exercida em cima da moto, a andar por essa estrada fora…

… e por falar nisso… vamos andar de moto!

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