2010/06/06

12.º Lés-a-Lés em RT... ou nem por isso! (2010-6-3 a 6)

Por: Jorge Lami Leal



O Lés-a-Lés é, quanto a mim, uma “prova” que pode ser aproveitada e vivida de diversas formas. Desde logo com a equipa de dois elementos, seguindo o roadbook, assumindo todo o esforço das inúmeras horas de estrada, de comer a más horas, chegar tarde ao hotel, mas com uma recompensa final de objectivos atingidos e prova superada. Outra pode ser aproveitar a dinâmica e a moldura humana que o evento acarreta e, em grupo ou em equipa, seguindo ou não o roadbook à risca, desfrutar este Portugal, com tempo para sorver ao máximo as emoções associadas. No meio destes ainda existem uma série de alternativas de cumprir o Lés-a-Lés.



Depois de chegar do Lés-a-Lés de 2008, disse para mim que não voltava a fazer um. Pelos mesmos motivos que, depois da edição de 2010, volto a pensar o mesmo. São demasiadas horas em cima da moto, especialmente nocturnas, que não dão qualquer proveito, já que as paisagens, estradas e pontos visitados, face à ausência de luz natural, não têm o mesmo esplendor ou interesse.



A edição de 2010 não foi assim tão interessante em termos das estradas percorridas, uma vez que ligou Faro a Sintra e Sintra ao Porto, com muitos quilómetros feitos apenas para unir pontos, sem qualquer interesse especial que os justificasse – e este é para mim o defeito organizativo deste ano. Mais a Sul está quase tudo visto e não causa surpresa, entre Sintra e o Porto, existiram algumas paisagens memoráveis, mas não tantas quantas as possibilidade no interior, desde logo nas Beiras e Trás-os-Montes. Entendo perfeitamente que já vão na 12.ª edição e não é fácil encontrar caminhos diferentes. Repetimos, por exemplo, paisagens de 2008.



Uns dias antes do evento, uma vez que inscrevi a BMW R1200 RT, decidi que não queria correr o risco de riscar as cabeças dos cilindros da moto e comprei-lhe as protecções de cilindro da BMW R1200 GS Adventure, que está preparada para enfrentar os estradões de terra com mais segurança, pelo que não faria mal à RT estes “pedaços” de chapa. Voltarei a este tema mais tarde.



As inspecções técnicas estiveram bem organizadas, para o número de motos. Apenas o local escolhido poderia ter sido outro. Não percebo porque motivo não estudam a rotação do sol, permitindo escolher outras opções, à sombra, que impedissem que estivéssemos desprotegidos e ao sol, com o equipamento vestido, que potencia a desidratação e o desconforto. Aliás, não percebi o motivo pelo qual as inspecções só começaram a meio do dia em vez de manhã cedo como é hábito.



Depois de “inspeccionados”, seguimos para o prólogo, sempre guiados pelo meu companheiro de equipa Rui Pacheco e o seu roadbook a estrear (que esteve sempre "afinado"), com o backup do Madeira. Éramos um grupo mais ou menos homogéneo, tirando a minha moto, a única (acho) turística. Cumprimos os objectivos da tarde.



No segundo dia, reunimos o grupo cedo e partimos. Logo nos primeiros quilómetros, menos de três depois da Cortelha, entramos num estradão de terra. Parámos, alguns seguiram a estrada alternativa. Hesitei, mas acabei por optar pelo estradão em detrimento do asfalto. Grande erro.



Poucos quilómetros depois, passei por cima de uma pedra de xisto e senti uma ligeira pancada debaixo da moto, mas continuei. Logo à frente, acendeu a luz de falta de óleo e… parei de imediato. Acto contínuo, um fio de óleo saía em esguicho debaixo do motor.



Depois de contactar a organização, tive a má notícia que o veículo de apoio 4x4 só saía de Faro depois do último participante. Seriam umas boas horas de espera, pelo que segui o conselho da pessoa que me atendeu e chamei um pronto-socorro. Uma hora e tal depois, já carregado de pó e cheio de calor, fui para debaixo de uma árvore e esperei mais uma hora. Entretanto chegou o reboque, que amavelmente me deixou em casa (uma hora depois) e foi levar a minha moto para o concessionário. Três horas e tal estavam perdidas. Como pensei tratar-se do cárter partido, a opção que me parecia mais razoável foi seguir para casa e continuar com a minha outra moto. Pensei no caminho que como já não andava com ela há uns bons tempos, poderia ter a bateria descarregada… tinha também emprestado o carregador, pelo que fui expectante. Quando liguei a moto, estava a trabalhar na perfeição. Troquei o “entulho” dos sacos interiores da RT para os da K e lá continuei viagem. Perdi mais tempo a atestar o depósito e a verificar o nível dos pneus. Já sem tempo para continuar o Lés-a-Lés pelo roadbook, decidi seguir pela auto-estrada até Beja, para apanhá-los no almoço, em Cuba.



Cheguei em pouco tempo a Beja. Como o roadleader do meu grupo me informou pelo telefone que já tinham saído de Cuba, fui até ao Luiz da Rocha, comer umas fabulosas empadas… e não só. Já com o estômago reconfortado e o humor a 100%, fui até Évora e, depois, Montemor-o-Novo.



Novo contacto telefónico e cheguei ao local onde estava o resto do grupo.



Continuámos a navegar pelo roadbook, pelas curvas e contracurvas do itinerário, até Sintra. No meu caso, optei por não fazer as etapas de terra, pois já acusava alguma exaustão e a memória da manhã ainda estava presente. Fui com mais alguns para uma bela esplanada de Vila Franca, pela rota alternativa, onde esperámos o resto do grupo.



Reunidos, seguimos “viagem”. Entretanto alguns de nós perdemo-nos do grupo principal num dos controlos e já só reagrupámos na Moviflor. O percurso de Sintra estava muito bem conseguido. Subimos ao pódio e dirigimo-nos para a casa de um amigo, em Colares, que nos recebeu da melhor forma. Os mergulhos na piscina aquecida ajudaram a relaxar o corpo, depois de tantas horas em cima da moto. Jantámos nas Azenhas do Mar, num restaurante que merece nova visita! As peripécias que antecederam o sono ficam para quem lá esteve, mas foi difícil sossegar os 6 algarvios. Quando o silêncio atacava, logo algum de nós dizia ou fazia qualquer coisa para pôr o resto do grupo a rir.



Muito cedo, com cerca de 3 horas de sono, já estava a dar a alvorada, ao som dos U2. Em menos de uma hora já estávamos despachados para mais umas horas de estrada, até ao Porto.



O percurso de sábado, até ao almoço, foi aquele que justificou este Lés-a-Lés (também os quilómetros que antecederam a chegada a Sintra). A serra da Lousã e as suas centenas de curvas são sempre muito boas e gosto sempre de lá voltar. O estradão de terra dos moinhos de vento também foi muito simpático. Já me tinha esquecido do famigerado estradão do dia anterior...



O almoço foi o fait divers deste Lés-a-Lés. Não piquei a targeta a partir do prólogo, por opção própria, seguindo em frente nos controlos, porque, pela experiência passada, sabia que ia acabar no lixo, evitava desta forma andar com mais aquele apêndice ao vento e os pára-arranca até o controlador fazer o respectivo furo. Sobre isto, tenho a dizer que defendo que todos os pontos de controlo deveriam ser feitos dentro do tempo previsto, ou os participantes forçados a aguardar o seu tempo. Em alternativa, quem como eu não quisesse “picar” ou esperar, seguia o seu caminho. Quando no Castelo da Lousã o grupo foi impedido de “picar” porque vinha com uma hora a menos, pouco me importou, isso significava apenas que almoçaria mais cedo, em vez das 15 horas e tal. Errado. Foi-nos impedida a entrada na área das refeições, porque vínhamos mais cedo. Perguntei à pessoa que barrara a nossa entrada, sem entrar em confronto, que me indicasse onde estava no regulamento definido que as refeições tinham hora de entrada. Não me respondeu, aliás, só repetia que tínhamos que esperar. Entretanto uma pessoa intrometeu-se na conversa, era da Federação, reforçando que não podíamos entrar mais cedo. Voltei a repetir a minha questão sobre o regulamento, que não só não respondeu, como começou a ser malcriado, a falar com as mãos junto à minha cara, arrogante, dizendo que se calhar o Lés-a-Lés não era para mim (e se calhar não é, mas até sou bom cliente, pois apenas comi uma sandes de febra(s) – muito boa – em Santo Estêvão). Decidimos almoçar mesmo ali ao lado. Registámos que estavam nesta altura provavelmente umas 50 pessoas na fila de acesso.



Almoçámos, descansámos, pedimos para ligar o ar condicionado, pedimos mais isto, aquilo, enfim, fomos tratados com a hospitalidade habitual naquelas paragens, com uma simpatia genuína.



Quando regressávamos às motos, ainda comentámos que estariam umas 200 ou mais pessoas na fila, na hora que seria putativamente a nossa, em vez das 50 pessoas de há pouco. Foram de facto muito inteligentes, mas aprendi a não esperar demasiado das pessoas e que existe quem se sinta bem quando tem estes pequenos poderes. Que façam bom proveito com eles! Estávamos ali para andar de moto e não para nos chatear.



Dali até ao Porto já só pensava no cansaço motivado por tudo o que tinha passado nesse dia, das horas de espera pelo pronto-socorro, no meio do calor e pó, das intermináveis curvas, da moto um pouco (para não dizer muito) mais cansativa para os pulsos e antebraços, devido aos itinerários, enfim, em resumo, pensava apenas no controlo n.º 21 – as francesinhas no Porto.



Chegámos ao hotel, ainda fomos espreitar a piscina, mas depois da “versão” aquecida da noite anterior, não tivemos coragem de entrar nesta.



Como os nossos dois amigos e companheiros de aventuras chegaram muito tarde ao Porto – iam levar-nos às segundas melhores francesinhas do Porto… em Matosinhos – lá tivemos que optar por outro restaurante, o Capa Negra II (mas a segunda melhor francesinha do Porto, ou mesmo a primeira, não fica esquecida Gil!!!).



Depois do Capa Negra ainda fomos para o bar do hotel, para longas conversas com alguns companheiros que iam chegando e outros partindo. Até que o cansaço nos venceu…



Tínhamos uns 5 itinerários alternativos preparados para o regresso ao Algarve no domingo, mas a vontade de chegar a casa ainda de dia fez alterar os planos, que incluíram um almoço de leitão no Pinto, perto de Leiria, com regresso sempre por auto-estrada, com diversas paragens técnicas para evitar o cansaço que a monotonia da auto-estrada acarreta.



O Lés-a-Lés não é uma “prova” fácil. Também não é difícil. Está aberta a qualquer pessoa, quer a estreantes, quer a mais batidos, a motos clássicas, de pista, grandes turísticas, Vespas, scooters e um sem número de modelos que requerem algum cuidado. Quem não quer não vai, é certo, mas se o passeio é descrito como moto-turístico, até podemos passar em estradões, mas por dentro de água e por estradas esburacadas devido à passagem, uma semana antes, do Rally de Portugal, apenas porque sim, sou da opinião que podia ser evitado. Quem quer andar na terra tem os Nomads e outros clubes, com motivos suficientes para desfrutar a terra com o espírito e sobretudo apoio e experiência que requerem. Não existem contemplações no roadbook. E isto não é uma crítica, mas apenas a constatação do facto.



Não sei se volto a fazer um Lés-a-Lés. Também porque está a ficar muito comercial. Quem sabe se um dia fizerem uma reedição de 24 horas, mais dura é certo, mas se calhar por isso mesmo um desafio tentador.



Aprendi algumas lições nestes dias, como por exemplo curvar com os pés (nem sabia que se podia curvar com os pés: obrigado Nuno, funciona!). Sobretudo, apreciei o sã convívio, as longas conversas e partilhas de momentos duros e de lazer. Foi por estes motivos uma experiência muito positiva, pelo menos agora que já sinto os pulsos e os antebraços e já consegui dormir mais do que 3 horas.



Ao meu companheiro de equipa e aos meus companheiros de “route”, um forte abraço e que venham mais dias assim amigos!!! Alguns conhecia melhor, outros pior. Saímos do Porto com um elo mais forte, que só se “forja” com experiências destas!





As fotos:








Um roadbook criativo









Azenhas do Mar


O Convento-Palácio de Mafra ao fundo



O Convento-Palácio de Mafra










Eu com a minha BMW K1100 RS



O meu companheiro de equipa e roadleader neste Lés-a-Lés





A BMW K1100 RS “the flying brick



O grupo


































Grande moto!





Já no dia do regresso





Estacionados no Restaurante Pinto, perto de Leiria




9 comentários:

Anónimo disse...

Lami,

Grande reportagem e para mim uma excelente experiência. Fui parte do caminho a tentar absorver todo o ambiente do Lés-a-Lés.

Fiquei com vontade de repetir (na minha ou em outra mota, desde que seja com os companheiros da viagem - se não for em todo o percurso pelo menos nas partes em que paramos para almoçar e trocar impressões/sensações da viagem).

A parte inicial foi complicada porque estava mesmo atrás da tua mota quando a pedra (que devia estar bem "morta") ganhou vida e projectou-se contra o filtro...fiquei com a aquela sensação de tristeza de ficares ali logo no início (fui mesmo alguns kms bem devagar - com o Ilídio sempre a esperar por mim e longe do restante grupo).

Depois tudo se resolveu...ainda bem e com uma disposição que superou qualquer problema.

Como se diz...o que não nos "mata" torna-nos mais forte (e mais tolerantes com "mundo").

Um abraço a todos os companheiros que me acompanharam (ou eu é que tentei acompanhá-los) neste meu first LaL (já agora apareço em algumas fotos...bem disfarçado).

Pedro Bastos

Rui V. Gago disse...

No grupo que ia um pouco mais adiantado nem nos apercebemos imediatamente do precalço do Lami já que era muita a distância. Só nos apercebemos mais tarde quando reagrupámos.

E é um facto que o condutor da K1100RS ia muito mais motivado para o LaL que o da R1200RT!!! ;-)

Pedro, tu não tentaste acompanhar! Tu acompanhaste mesmo! Não é a velocidade ou o ritmo que nos torna companheiros de estrada mas sim o espírito em torno de algo comum!

Jorge Lami Leal disse...

Pedro,

Este tipo de “empreitadas” mete-nos sempre à prova. Ficamos a conhecer melhor os nossos limites, físicos e psicológicos e, sobretudo, ao ver outros ultrapassarem aqueles que julgamos ser os nossos, ganhamos a força interior extra que nos permite também lá chegar. Tem sido assim comigo! No fundo, os nossos limites vão perdendo limites com os quilómetros! ;-)

Ser optimista é a melhor forma de encarar os problemas. Acho que se a K11 tivesse a bateria descarregada… tirava duas rodas ao carro e seguia viagem!!! :o)

Jorge Lami Leal disse...

Rui,

O problema não estava nem do condutor, nem na moto… a pedra é que era muito desassossegada!! Parece umas pessoas que conheço… estou a pensar lá ir amanhã procurar a tal pedra… depois decido o que faço com ela!! Mas vou no “verde”… com as 4 rodas a esgravatar!! :-D

Rui V. Gago disse...

Se a K1100 tivesse a bateria descarregada... a culpa era do gajo que te costuma sacar o carregador!!! lol
Achas que o verde consegue passar ali... optimista!!!! ;-))) Estás mesmo a precisar de uma GSA! :-D

Jorge Lami Leal disse...

É... esses gajos d'Olhão... LoL

Afinal acabei por não ir para a terra.

GSA!? Com este "novo" motor? Ainda não... mas já estou a trabalhar no projecto da R1200 RT Adventure... :-p

Anónimo disse...

As boas fotos como habitualmente. Dos comentários depreendo que continuo sem preceber se gostaria de fazer também o Lés a Lés.

J Manuel Cabrita

Jorge Lami Leal disse...

Zé Manel,

Pelo menos uma vez, para veres ser gostas!

... é sempre (mais) uma aventura!!

;-)

Tüp Bebek disse...

foi um artigo que eu gostava. Obrigado por compartilhar.